Vôo coletivo
- Sara Goes
- há 4 dias
- 3 min de leitura

Eu escrevi para assustar, para assombrar, para alertar. Quis que as pessoas acordassem, e acho que elas acordaram.
Desde a publicação do artigo, venho recebendo retornos que me reorganizam por dentro. Mas o que mais me impressionou foi descobrir que, para além das críticas, análises e diagnósticos, existe um desejo real de ação. As pessoas querem participar, querem ajudar, querem construir. O que parecia um alerta solitário virou ponto de partida para uma articulação coletiva.
Conheci o pesquisador Jader Gama, que me apresentou a proposta das Plataformas Amazônicas, uma articulação que pensa tecnologias a partir da floresta, conectando mobilização política, saberes tradicionais e soberania digital. Guilherme Flynn, ativista e pesquisador, pensa a comunicação como ferramenta enraizada em estratégia de longo prazo, com atenção ao enraizamento local e à disputa simbólica de longo curso. Ambos me foram apresentados por Uirá Porã, que atua no Felicilab, o Laboratório de Inovação no SUS do Ceará, onde se pensa uma forma de gamificar sem adoecer e que, com o tempo, virou mais que um projeto, virou movimento. Foi também Uirá quem me conectou a dezenas de outras pessoas que hoje compartilham grupos comigo e me ajudam a enxergar o campo da soberania informacional com outros olhos. E Ergon Cugler, com sua atuação firme e generosa, trouxe contribuições valiosas sobre política pública, regulação e imaginário coletivo. Essas pessoas não começaram agora, estão há décadas agindo de forma estratégica em defesa de um Brasil soberano, criativo e possível.
Também recebi apoio de jornalistas e entidades como o FNDC, que acolheu minha voz de maneira profunda. Em especial, preciso agradecer a Sousa Júnior, que não só compartilha minha angústia sobre a soberania informacional, mas também me ofereceu um gesto que não esqueço. Quando eu me sentia constrangida de apresentar um programa com o berço do meu filho no enquadramento, foi ele quem me ajudou a entender que aquele berço também era uma trincheira.
Mas foi Reynaldo Aragon, meu grande amigo, quem me guiou desde o começo. Pesquisador, jornalista e alguém que entende como poucos os códigos da guerra híbrida, foi ele quem me apresentou esse campo de disputa e esteve comigo em cada etapa. Mais que compartilhar inquietações, Rey elaborou uma proposta, desenhou um caminho possível para a luta, e me mostrou que é possível enfrentá-los com inteligência, método e coragem. Com ele, aprendi a ler o que antes me confundia. E foi ao lado dele que descobri que dá para fazer frente ao que parecia inatingível. Esse texto é também fruto dessa caminhada compartilhada.
Depois da publicação, parlamentares me procuraram. A deputada Luizianne Lins foi além. Protocolou uma representação junto à Justiça Eleitoral e à Polícia Federal, denunciando a parceria entre o Partido Liberal e empresas como Meta, Google e CapCut no evento de Fortaleza. Sua iniciativa deu forma institucional ao alerta que lançamos.

E o presidente Lula leu meu artigo. É estranho até escrever isso. Lula leu. E respondeu. Disse, diante da imprensa: "Vocês acompanharam o famoso encontro de Fortaleza. Vocês leram a respeito do que aconteceu". Ele não apenas reconheceu a gravidade do seminário promovido pelo PL com apoio das big techs, como usou essas palavras para sinalizar que o episódio exige vigilância e ação. Ele não domina ainda o tema em profundidade, assim como eu também não dominava há poucos meses. Mas está aprendendo, como eu estou aprendendo, como meu filho Luiz Inácio, que começou a andar na semana passada, torto, parecendo um patinho. Vai na cara e na coragem, porque tem que ir. E eu me sinto igual. Às vezes desequilibrada, às vezes rindo do próprio tropeço, mas indo. Porque o tempo da hesitação passou. Agora é passo. Agora é estrada.
O cenário continua ameaçador. A FrenCyber se articula com consistência, a bancada dos likes cresce e se organiza com método, e a última pesquisa Genial Quaest mostra o impacto simbólico da erosão digital. Mesmo com a economia melhorando, a aprovação do presidente Lula caiu entre os mais pobres e os mais jovens, justamente os grupos mais expostos à manipulação algorítmica. As big techs operam hoje como potências políticas transnacionais, capazes de moldar o imaginário e sabotar o voto. O bolsonarismo entendeu isso e está se preparando. O evento em Fortaleza foi só a primeira vitrine.
Apesar disso, o que tenho visto desde a publicação do artigo me fez entender uma coisa fundamental. Eles são muitos, mas não podem voar.
A frase é da canção Pavão Mysterioso, do Ednardo, que já foi cordel e já foi lenda, porque tudo que resiste tem raiz. Ela virou uma espécie de verdade íntima. Porque apesar do medo, do cansaço e da responsabilidade imensa que senti com tudo isso, eu vi que há um país inteiro se organizando em silêncio, com firmeza, com beleza e com inteligência. Eu vi que não estou só. E que esse voo é coletivo.
Comentários