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O paradoxo das mulheres na extrema direita (parte 2)

Na primeira parte deste artigo, analisamos o crescimento da presença feminina na extrema direita e como algumas líderes se destacaram no cenário global. Agora, discutimos as contradições desse fenômeno e os limites da influência dessas mulheres no ultraconservadorismo

Nos últimos anos, a extrema direita passou a incorporar mulheres em suas estruturas de poder, mas isso não significa um avanço da igualdade de gênero. Este artigo, dividido em duas partes, explora como as mulheres atuam no ultraconservadorismo e quais as contradições dessa presença.
Nos últimos anos, a extrema direita passou a incorporar mulheres em suas estruturas de poder, mas isso não significa um avanço da igualdade de gênero. Este artigo, dividido em duas partes, explora como as mulheres atuam no ultraconservadorismo e quais as contradições dessa presença.

A presença de mulheres na extrema direita levanta uma série de contradições que desafiam a lógica tradicional desse espectro político. Essas líderes ocupam posições de poder em movimentos que historicamente reforçam a submissão feminina, rejeitam a igualdade de gênero e promovem um modelo de sociedade no qual o papel da mulher está restrito à família e à maternidade. No entanto, elas mesmas fogem desse modelo ao atuarem ativamente na política e reivindicarem espaço em um campo que ainda é dominado por homens. Essa dualidade é central para entender seu papel dentro do ultraconservadorismo e como elas são instrumentalizadas para fortalecer um ösistema que, no fundo, não lhes concede nenhum tipo de poder real.

Essas mulheres condenam o feminismo, mas suas trajetórias políticas seriam impossíveis sem as conquistas desse movimento. Marine Le Pen, Giorgia Meloni e Alice Weidel, por exemplo, ocupam cargos políticos e participam de eleições, algo que seria impensável sem as lutas históricas pelos direitos das mulheres. No entanto, ao invés de reconhecerem essa realidade, elas atacam o feminismo, afirmando que ele “vitimiza as mulheres” e que a ascensão feminina deve ocorrer exclusivamente pelo mérito individual. Além disso, ao ocuparem posições de destaque, essas mulheres passam a falsa impressão de que qualquer menina ou mulher pode alcançar os mesmos espaços sem precisar das lutas feministas. Seus discursos sugerem que o caminho ao poder está aberto a todas, quando, na realidade, suas trajetórias foram pavimentadas por redes masculinas dentro da extrema direita. Dessa forma, elas contribuem para deslegitimar políticas de igualdade de gênero, reforçando a ideia de que o sucesso feminino é apenas uma questão de esforço individual, ignorando as barreiras estruturais que ainda limitam o acesso das mulheres ao poder.

Outro aspecto contraditório é o fato de que muitas dessas mulheres defendem um modelo de família tradicional, mas não se encaixam nele. Alice Weidel, por exemplo, vive um relacionamento com uma mulher estrangeira, mas lidera um partido que se opõe a políticas pró-direitos LGBTQIA+ e promove uma visão rígida da família como uma instituição heteronormativa. Giorgia Meloni, que teve uma filha fora do casamento, reforça a ideia de que a maternidade deve ser o papel central da mulher, mesmo que sua própria trajetória política a afaste desse modelo tradicional. Marine Le Pen, divorciada duas vezes, insiste na defesa da família tradicional como um pilar da sociedade, embora sua vida pessoal demonstre que ela mesma não segue o que prega. Essas inconsistências mostram que, enquanto a extrema direita exige que as mulheres comuns se conformem a papéis tradicionais, suas líderes têm liberdade para romper com esses padrões sem perder legitimidade dentro do movimento.

Além disso, muitas dessas figuras femininas da extrema direita utilizam um discurso “pró-mulher”, mas apenas quando isso serve à sua agenda política. Marine Le Pen e Beatrix von Storch, por exemplo, justificam suas políticas anti-imigração alegando que querem proteger as mulheres europeias da “violência importada” por imigrantes muçulmanos. No entanto, rejeitam políticas de combate à violência doméstica, que beneficiariam mulheres francesas e alemãs vítimas de agressões cometidas por seus próprios compatriotas. Victoria Villarruel, na Argentina, diz defender a liberdade feminina, mas apoia a revogação de leis que garantem o direito ao aborto e a proteção contra abusos. Essa estratégia seletiva usa a pauta feminina apenas quando conveniente, enquanto mina direitos fundamentais conquistados pelas mulheres ao longo do tempo.

Outro ponto central é que essas líderes rejeitam cotas e políticas de inclusão, afirmando que chegaram ao poder “por mérito próprio”, mas, na realidade, quase todas elas foram impulsionadas por “redes de apoio masculinas” dentro de seus movimentos. Marine Le Pen herdou o partido de seu pai, Jean-Marie Le Pen, e apenas remodelou sua imagem para torná-lo mais aceitável ao eleitorado. Keiko Fujimori construiu sua carreira política com base no legado do pai, o ex-ditador Alberto Fujimori, explorando o nome da família para se manter no cenário eleitoral do Peru. Victoria Villarruel ascendeu dentro de um movimento político fortemente ligado aos militares e aliados da ditadura argentina. Apesar de se apresentarem como símbolos de força e independência, suas trajetórias mostram que seu espaço dentro da extrema direita foi conquistado com o aval e o suporte de homens bastante poderosos, algo que entra em contradição com o discurso de que as mulheres não precisam de políticas afirmativas para chegarem ao poder.

Além disso, muitas dessas mulheres falam em liberdade, mas defendem regimes autoritários ou políticas repressivas. Victoria Villarruel defende os militares que torturaram e assassinaram opositores políticos durante a ditadura argentina, enquanto Keiko Fujimori tenta reabilitar a imagem de seu pai, que fechou o Congresso peruano e perseguiu seus opositores. Marjorie Taylor Greene, nos Estados Unidos, apoia medidas autoritárias promovidas por Donald Trump, incluindo o uso da força contra manifestantes e a criminalização de seus opositores políticos. Essas líderes falam em liberdade apenas quando isso beneficia seus aliados ideológicos, mas quando se trata da oposição, não hesitam em defender medidas repressivas.

 

Até Quando? A Fragilidade da Liderança Feminina na Extrema Direita

Olhando para o quadro geral, fica claro que essas mulheres desempenham um papel estratégico dentro da extrema direita, mas sem desafiar as bases patriarcais do movimento. Sua ascensão não representa um avanço para as mulheres como um todo, mas sim uma adaptação da extrema direita para ampliar seu alcance e ganhar legitimidade. Elas são utilizadas para atrair eleitoras, suavizar a imagem do autoritarismo e enfraquecer o feminismo, mas dentro de limites bem estabelecidos. Enquanto forem úteis ao projeto ultraconservador, terão espaço. Mas se desafiarem a autoridade masculina ou questionarem o papel tradicional da mulher, podem ser rapidamente descartadas. A extrema direita precisa dessas mulheres, mas não lhes dá poder absoluto.

A questão que fica é: até quando essas mulheres conseguirão equilibrar essa contradição sem que o machismo estrutural da extrema direita as engula?

Este artigo foi publicado originalmente em versão integral e agora aparece dividido em duas partes. Se ainda não leu a primeira parte, confira: (“A extrema-direita veste saias: As mulheres no comando do ultraconservadorismo global”](link para a Parte 1)

 

 




 
 
 

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