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Estamos esperando a Terceira Guerra com olhos do passado?

O confronto entre Israel e Irã em junho de 2025 reacende um temor global: a Terceira Guerra Mundial já começou e ninguém avisou? No século XXI, os conflitos não precisam mais de declarações formais, eles se espalham por redes, economias e narrativas. Talvez estejamos esperando tanques, quando a guerra já acontece em silêncio

Imagem gerada por inteligência artificial
Imagem gerada por inteligência artificial

A recente escalada de junho de 2025 entre Israel e Irã reacendeu um temor que ronda a humanidade há quase um século: o da Terceira Guerra Mundial. A pergunta parece simples, mas sua resposta exige cuidado: o que, afinal, determina o início de uma guerra mundial? Em geral, o termo “guerra mundial” é reservado a conflitos com dimensões globais: múltiplos países e continentes envolvidos, alianças militares em choque, impactos econômicos, humanos e políticos que reverberam muito além do campo de batalha. Mas os nomes “Primeira” e “Segunda” só vieram depois. No momento em que ocorriam, eram apenas “a Grande Guerra” e “a guerra total”.

Foi assim em 1914, quando o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, por um nacionalista sérvio, serviu de estopim para uma guerra que já estava latente. A Europa vivia uma corrida armamentista e um jogo perigoso de alianças militares. De um lado, o Império Austro-Húngaro e o Império Alemão; de outro, o Império Russo, aliado à França e ao Reino Unido. As tensões vinham se acumulando havia anos, impulsionadas por disputas imperialistas, especialmente nos Bálcãs, na África e no Oriente Médio. Alemanha e Reino Unido competiam por colônias e influência na África. A França ainda buscava recuperar a Alsácia-Lorena, perdida para a Alemanha em 1871. O Império Otomano estava em declínio, e seu território era cobiçado por várias potências. O mundo já era um barril de pólvora; o atentado em Sarajevo apenas acendeu o fósforo.

A Segunda Guerra Mundial teve início em 1939, quando a Alemanha nazista invadiu a Polônia. O que parecia uma agressão regional logo ganhou escala internacional, com França e Reino Unido declarando guerra a Hitler. A guerra tornou-se verdadeiramente mundial quando a União Soviética foi invadida e, em seguida, o Japão atacou Pearl Harbor, arrastando os Estados Unidos para o conflito. Mais uma vez, alianças militares e interesses imperiais impulsionaram a escalada. O Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão, buscava expansão territorial e domínio econômico; os Aliados, liderados por EUA, URSS e Reino Unido, resistiam à ameaça fascista. A guerra se estendeu pela Europa, África, Ásia e Oceania, e os bombardeios de Hiroshima e Nagasaki inauguraram um novo capítulo da violência humana.

O Brasil, nesse contexto, teve um papel inicialmente ambíguo. O governo de Getúlio Vargas procurava equilibrar relações com os dois blocos, flertando com o Eixo em termos ideológicos, mas mantendo canais abertos com os Aliados. A diplomacia brasileira tentava extrair concessões de ambos os lados, como acordos comerciais, apoio tecnológico e investimentos. A elite nacional via com simpatia regimes autoritários europeus, enquanto os Estados Unidos pressionavam para garantir a adesão do Brasil à sua esfera de influência estratégica, sobretudo após a entrada dos norte-americanos no conflito.

Esse jogo duplo durou até 1942, quando submarinos alemães e italianos afundaram navios mercantes brasileiros, matando centenas de civis. Diante da pressão popular e do novo cenário internacional, o Brasil declarou guerra ao Eixo e, em 1944, enviou mais de 25 mil soldados da Força Expedicionária Brasileira para lutar na Itália. O episódio revela um ponto essencial: mesmo países distantes do epicentro europeu acabam envolvidos em guerras mundiais, seja por ataques diretos, seja por pressões econômicas e políticas. A neutralidade, em escala global, é sempre frágil.

A Guerra Fria, embora sem confrontos diretos entre as duas maiores potências do século XX, foi um conflito de proporções mundiais. Dividiu o planeta em dois blocos ideológicos: de um lado, o capitalismo liberal, liderado pelos Estados Unidos e pela OTAN; de outro, o comunismo soviético, encabeçado pela URSS e pelo Pacto de Varsóvia. Embora não tenha havido uma terceira guerra declarada, ocorreram guerras por procuração em diversas partes do mundo — Coreia, Vietnã, Afeganistão, América Central, África. A ameaça nuclear tornou-se permanente, com arsenais capazes de destruir o planeta inteiro mais de uma vez. O mundo vivia em tensão contínua, mediado por diplomacia agressiva, espionagem, golpes de Estado e intervenções militares disfarçadas. Foi uma guerra travada nas sombras, mas com impactos planetários.

Quando a guerra não parece guerra: o risco de esperar demais para nomeá-la

Imagem gerada por inteligência artificial
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As guerras do século XXI talvez não comecem com uma declaração oficial ou com tanques cruzando fronteiras. Talvez comecem com bloqueios informacionais, discursos polarizados, sanções seletivas, alianças econômicas disfarçadas de acordos diplomáticos. O que chamamos de paz pode ser apenas o intervalo entre diferentes formas de conflito. E, quando finalmente reconhecemos a guerra, ela já terá deixado marcas profundas.

É justamente essa lógica que ainda nos guia. O medo da guerra total paralisa, mas não impede os conflitos. Israel e Irã são adversários históricos, mas agora se enfrentam com o mundo em alerta. Os Estados Unidos já estão envolvidos diretamente, seja pelo apoio militar e diplomático irrestrito a Israel, seja pela presença estratégica de suas forças na região. China e Rússia, por sua vez, condenam os ataques e pedem contenção imediata. O que parecia um confronto localizado já mobiliza discursos, recursos e alianças em escala global. Mesmo que os tiros ainda se concentrem num único território, o conflito deixou de ser apenas regional: ele já pressiona governos, redes de informação, mercados e fronteiras em todo o mundo.

Ninguém quer ser o primeiro a apertar o botão. Há quem acredite que as armas nucleares funcionam como um freio, que o medo da destruição total ainda contém os impulsos mais radicais. Mas o risco não está apenas na decisão racional. Está no erro de cálculo, na retórica inflamada, nas redes sociais que amplificam ódios, nos governos instáveis, nos drones sem supervisão, na tecnologia que desumaniza o campo de batalha. A ameaça de destruição mútua continua pairando, mas isso não impediu a guerra na Ucrânia, nem a destruição de Gaza, nem o envio de armamentos cada vez mais letais para todos os lados.

 Enquanto a atenção internacional se concentra em Israel, Irã, Gaza e Ucrânia, outras guerras seguem ativas e silenciosas. No Sudão, uma guerra civil arrasa cidades inteiras sem manchete. No Iêmen, milhões enfrentam fome extrema em um conflito que se arrasta há quase uma década. Na República Democrática do Congo, a disputa por minérios estratégicos alimenta massacres ignorados por quem lucra com baterias e eletrônicos. No Haiti, o colapso institucional virou terreno livre para milícias armadas. Em Myanmar, a repressão militar é permanente. E, na Cisjordânia, longe dos bombardeios de Gaza, a violência cotidiana contra o povo palestino se intensifica. São conflitos que não mobilizam a grande mídia, nem as sanções do Ocidente. Talvez porque a lógica de quem merece compaixão ainda seja ditada por mapas, interesses econômicos e cor da pele. Talvez porque, neste novo tipo de guerra, o silêncio também seja uma arma.

 A verdade é que talvez estejamos esperando a Terceira Guerra com olhos demais voltados para o passado. Esperamos uma nova Polônia invadida, uma nova Pearl Harbor, uma nova declaração solene nas Nações Unidas. Mas talvez ela já esteja em curso, só que em camadas: cibernética, econômica, climática, informacional. A propaganda virou arma de guerra. As sanções também. O mundo já está alinhado em blocos hostis, mesmo sem um front claro. Israel e Irã podem ser o estopim de algo maior, mas também são peças num tabuleiro muito mais complexo. Não se trata de saber quem vai atirar primeiro, mas de reconhecer que o conflito já está sendo travado. E, neste novo tipo de guerra, o mais perigoso talvez não seja quem carrega a bomba, mas quem manipula a narrativa.

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