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Entre o mito e a lâmina: a hora de Michelle

No mito grego, Clitemnestra ficou conhecida como a rainha que matou o próprio marido, Agamenon, ao vê-lo retornar da guerra de Troia. Não foi apenas vingança por um sacrifício anterior ou por sua ausência prolongada: foi uma tomada de poder. Enquanto o rei guerreava, Clitemnestra governava. E quando ele voltou, desgastado, enfraquecido e arrogante, ela encerrou seu ciclo com um golpe fatal. Clitemnestra é uma personagem trágica e um arquétipo da ruptura simbólica e drástica.

Michelle Bolsonaro, guardadas as diferenças de contexto, atravessa algo semelhante no campo da política. A recente demissão de Fábio Wajngarten do PL, após o vazamento de mensagens em que ele e Mauro Cid ironizavam uma possível candidatura da ex-primeira-dama, marca uma virada significativa: a rainha começa a comandar o reino. Wajngarten, ex-chefe da Secom e um dos mais fiéis aliados de Bolsonaro, era o operador da "normalização" do ex-presidente. Sua queda não foi apenas um ajuste interno. Foi um recado.

Mesmo que a exoneração não tenha partido diretamente de Michelle, a força de seu nome foi suficiente para atravessar Valdemar Costa Neto e atingir Wajngarten. Michelle, hoje, não é só a esposa do mito: é quem impõe silêncios, derruba aliados e reconfigura o tabuleiro.

Esse fortalecimento ocorre em meio a um PL rachado entre os que querem desbolsonarizar o partido e os que ainda apostam na família como capital eleitoral. A expulsão de Júnior Mano, por exemplo, escancarou as pressões do clã. O deputado foi punido por apoiar um petista em Fortaleza, e expôs publicamente que a ordem veio de Bolsonaro. Ao fazer barulho, talvez tenha chamado a atenção de Ciro Gomes, que agora o trata como novo projeto político no Ceará.

Enquanto isso, Michelle suaviza o discurso evangélico, se movimenta entre lideranças e cresce nos bastidores. Mesmo contrariando a lógica patriarcal que estrutura a base bolsonarista, ela se impõe. Diferente da extrema-direita global, que convive com figuras femininas fortes, o bolsonarismo raiz resiste à ideia de uma mulher no topo. Ainda assim, Michelle pode ser, a contragosto do próprio Bolsonaro, sua única chance de sobrevivência simbólica. O ex-presidente não lidera mais: paira como espectro. Um malassombro no centro de um culto que já busca outra encarnação.

Como analiso no artigo "(Des)construindo Michelle: de esposa-troféu a santa profissional", a ex-primeira-dama opera um reposicionamento completo: transforma estética, fé e gênero em ferramentas de poder. E a pesquisa recente que aponta empate entre ela e Janja em São Paulo revela que o jogo já começou. Michelle não espera. Michelle governa.

Como Clitemnestra, ela não pede permissão. E, se precisar, também sabe quando dar o golpe fatal.

 
 
 

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