Enforcamento sim. Elogio não
- Sara Goes
- 20 de mar.
- 2 min de leitura

Um senador da República afirma publicamente que teve vontade de enforcar uma ministra de Estado, e o que se segue? Silêncio. Nenhuma crise midiática, nenhuma indignação coletiva, nenhum editorial inflamado. Agora, se fosse Lula dizendo que Gleisi Hoffmann é bonita, o Brasil pararia para discutir o sexismo estrutural. O que fica evidente nessa discrepância? Que o problema nunca foi o conteúdo das falas, mas sim quem as diz.
O Senador Plínio Valério (PSDB-AM) disse, em público, que teve vontade de enforcar Marina Silva. Não vimos a GloboNews em estado de indignação permanente. Não vimos Andréia Sadi exasperada no ar, Natuza Nery ariada, Gerson Camarotti de olhos arregalados. Não vimos o coro de editoriais denunciando o ódio político transformado em ameaça explícita contra uma ministra de Estado. Onde estão os defensores da democracia e das boas maneiras republicanas agora? Onde está o discurso moralista que grita contra declarações inapropriadas, mas se cala diante da incitação direta à violência?
A mesma mídia que se mobilizou em peso para criticar um elogio de Lula a Gleisi Hoffmann, classificando-o como sexista, agora ignora solenemente a ameaça de morte contra Marina Silva. Não há debates acalorados, não há comentaristas gasguitas batendo na mesa, não há manchetes alarmadas sobre o estado da democracia. Marmenino...
Esse silêncio não é um acaso. Ele obedece a uma lógica política clara: escândalos são fabricados ou ignorados conforme a conveniência. O moralismo midiático se torna uma ferramenta para desgastar adversários e proteger aliados. Um senador pode falar abertamente em enforcar uma ministra e a imprensa que se diz defensora das instituições prefere varrer o caso para debaixo do tapete.
A proteção masculina opera na omissão e na reação controlada. Mas há algo essencial nessa equação: reagir é fundamental. Davi Alcolumbre, ao menos, reagiu. Ele não aceitou ser alvo de ataques e rapidamente enquadrou Gustavo Gayer, que, em seguida, assumiu o tom de um ser humano funcional, obviamente orientado por advogados, e pediu desculpas ao presidente do Senado. Porque foi forçado a fazer isso. Mas Gleisi Hoffmann, a principal alvo da ofensa, não recebeu qualquer pedido de desculpas. O cartel de macho também não virou notícia. A hierarquia está clara: um homem ofende uma mulher, mas se desculpa com outro homem. Entre eles, tudo se resolve. As mulheres que se virem. Não existe lugar mais sujo e seguro do que a urbanidade entre homens. Mas isso é outro papo.
A questão jamais foi sexismo ou a gravidade da ameaça. Ironia das ironias, a declaração de Plínio Valério soa até menos ofensiva quando se olha para o silêncio que a rodeia. O que importa, de fato, é quem disse. O problema nunca foi o conteúdo, mas o emissor. Não foi Lula. Se fosse e jamais seria, a comoção já estaria estabelecida, as manchetes pulsando indignação, as bancadas dos jornais debatendo sem parar. Mas como não foi, não vale o alarde. A reação seletiva é a confissão involuntária de que o critério nunca foi a defesa da dignidade ou das mulheres na política, mas sim se se trata de Lula ou não.
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