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Do blefe à vitória: Lula e o truco de 2025


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No jogo de truco não vence apenas quem tem as cartas mais altas, mas quem sabe ler a mesa, confiar no parceiro e ousar no blefe. As jogadas decisivas estão no pedido de truco, quando a aposta é elevada e o adversário é testado, no retruco, quando a ousadia retorna em tom ainda mais desafiador, e na mão de onze, a rodada em que a dupla chega ao limite e precisa confiar plenamente um no outro para vencer. Não se trata apenas de matemática de cartas, mas de leitura de jogo, de coragem para arriscar e de inteligência para transformar fraqueza aparente em força real.

A política brasileira de 2025 seguiu esse roteiro. O governo Lula começou o ano perdendo a primeira mão, com a crise do Pix, quando não soube responder à altura da campanha de desinformação que tomou as redes. Em seguida, enfrentou a traição de aliados no embate do IOF, mas viu nascer a militância pedindo truco em nome do povo. No caso das fraudes do INSS, aprendeu a abrir a rodada, revelando ele próprio o problema e enquadrando o adversário antes que a mentira prosperasse. E diante do tarifaço de Donald Trump, Lula retrucou alto, transformando uma ameaça externa em narrativa de soberania, reforçada nas ruas, nas redes e até nos símbolos visuais dos bonés.

Essa analogia não surgiu por acaso. O próprio Lula, ao longo de sua trajetória, recorreu ao truco para explicar o ato de governar e enfrentar adversários mais fortes. Em 2025, o jogo deixou de ser apenas metáfora e se converteu em método: a política como mesa de truco, jogada em dupla, com risco, confiança e estratégia. O que parecia uma partida perdida se transformou em vitória coletiva, coroando uma comunicação que fez da soberania a carta mais alta do baralho.


A primeira mão perdida: a crise do Pix

O governo abriu 2025 perdendo feio a primeira mão da partida. Em 18 de setembro de 2024, a Receita Federal havia publicado a Instrução Normativa RFB nº 2.219/24, que apenas estendia às fintechs a obrigação de enviar informações agregadas já cumprida por bancos tradicionais desde 2003, para movimentações acima de R$ 5 mil em pessoas físicas e R$ 15 mil em jurídicas. Não havia criação de imposto, mas essa nuance não resistiu à batalha de narrativas.

Em 15 de janeiro de 2025, o deputado Nikolas Ferreira postou um vídeo que alcançou mais de 200 milhões de visualizações. Cenário escuro, roupa preta e trilha de suspense. Ele admitia que “o Pix não será taxado”, mas logo lançava a suspeita: “não duvido que possa ser”. Foi o truco bem dado: um blefe emocional que mirava trabalhadores informais, induzindo-os a acreditar que seriam perseguidos por um Estado ávido por arrecadação.

O movimento não parou em Nikolas. Deputados como Gustavo Gayer (1,4 milhão de interações) e Carla Zambelli (1,2 milhão) ajudaram a inundar as redes, enquanto a direita controlava 78% das interações digitais sobre o tema. Influenciadores de grande alcance entraram na onda com vídeos “indignados” que emulavam a espontaneidade de protestos populares, mas eram roteirizados com qualidade típica de campanhas digitais profissionais. A sensação era de autêntica revolta popular, mas a estética e a cadência lembravam briefing de social media de empresa.

Do outro lado da mesa, o governo respondeu com explicações técnicas, vídeos de Fernando Haddad, notas da Receita e cards oficiais. Aceitou o truco sem cartas fortes, acreditando que a razão fiscal poderia vencer a emoção viral. O resultado foi um desastre: queda no uso do Pix ao menor patamar em seis meses e a necessidade de recuo. Em 15 de janeiro, a Receita revogou a norma. No dia seguinte, veio a MP 1.288/25, “blindando” o Pix contra qualquer possibilidade de taxação. Era o gesto desesperado de quem corre da mão para não perder mais fichas.

E foi nesse vazio que outro setor jogou suas cartas: a chamada esquerda “crítica”. Jornalistas e influenciadores autodeclarados progressistas, mas interessados na manutenção de sua superioridade moral e na busca por cliques fáceis, correram para decretar — mais uma vez — o fim do governo. Colunas e análises repetiam o mesmo refrão: Lula teria perdido a conexão com o povo, a comunicação era amadora e o ciclo do governo já estaria encerrado. No baralho político, essa ala não se preocupava em jogar pela dupla: torcia para o parceiro perder, para confirmar sua leitura fatalista.

Assim, a crise do Pix foi mais que uma derrota técnica. Ela revelou como uma campanha coordenada de desinformação, amplificada por influenciadores e oportunamente coroada pela esquerda moralista, pode transformar uma medida burocrática em pânico moral. Foi a primeira mão perdida — e a lição dolorosa de que, em truco, não basta segurar cartas: é preciso saber quando blefar, enquadrar e antecipar a jogada adversária.


O primeiro truco: o embate do IOF

Se a crise do Pix foi a primeira mão perdida, o debate sobre o IOF marcou o momento em que o jogo ficou mais pesado. No início de junho de 2025, o governo editou um decreto prevendo um reforço de arrecadação de cerca de R$ 61 bilhões — R$ 20 bilhões ainda em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. A aposta era ousada: tratava-se de uma jogada arriscada, mas que poderia garantir fôlego fiscal.

Só que, na mesa de truco da política, não basta ter carta alta. No dia 25 de junho, a Câmara dos Deputados, sob a liderança de Hugo Motta, devolveu o lance com força. Foram 383 votos pela revogação contra apenas 98 em defesa da medida, e o mais significativo: 243 desses votos vieram de partidos da própria base governista. Foi como se o parceiro de mesa levantasse no meio da rodada e jogasse contra.

A postura de Hugo Motta foi determinante. Até então visto como aliado estratégico do Planalto, o presidente da Câmara aproveitou o momento para se afirmar como liderança autônoma. Publicamente, se apresentou como o “capitão responsável” que alertara sobre o naufrágio, mas, na prática, traiu a confiança do governo e capitalizou politicamente ao vestir a fantasia de guardião da maioria parlamentar. No truco, foi a manobra clássica de quem finge jogar junto, mas entrega a mão para ganhar respeito na mesa.

Nesse ambiente, a militância petista reagiu. Foi dela — e não do governo diretamente — que surgiu a campanha #CongressoInimigodoPovo, impulsionada por vídeos que imitavam a indignação popular, mas cujo roteiro lembrava a lapidação de campanhas profissionais de redes. A estética era de espontaneidade, mas a mão estava bem jogada: as peças digitais empurraram o Congresso para o papel de inimigo da população. Mais tarde, esse repertório de hashtags e vídeos seria incorporado pelo governo em disputas ainda maiores, como no tarifaço de Trump.

Enquanto isso, a esquerda “crítica” não perdeu tempo. Diante da derrota no IOF, tratou de declarar o governo como morto, repetindo o refrão do fracasso inevitável. Não era apenas análise: era torcida. Como em jogadores de bar que, sem sentar à mesa, vibram com a derrota da dupla vizinha para depois dizer que “já sabiam o resultado”.

O embate do IOF, portanto, expôs tudo de uma vez: a força política de Hugo Motta, a fragilidade de uma base que não segurou o jogo e a importância de uma militância disposta a pedir truco quando o governo parecia sem saída. Foi uma rodada dura, mas também o momento em que ficou claro que não bastava correr das mãos difíceis — era preciso disputar o baralho inteiro, inclusive contra quem se dizia parceiro.


A segunda vaza: as fraudes no INSS

Se a crise do Pix foi a primeira mão perdida e o IOF revelou a traição de um parceiro de mesa, o caso das fraudes no INSS, em abril de 2025, marcou a segunda vaza e dessa vez quem puxou a carta foi o próprio governo.

O Ministério da Previdência, em parceria com a Receita Federal e a Polícia Federal, anunciou o resultado de auditorias digitais que identificaram fraudes bilionárias em benefícios, um esquema herdado de administrações passadas. Em vez de ser pego de surpresa, o Executivo escolheu abrir a rodada: revelou o problema, enquadrou-o como herança do passado e apresentou a resposta, novos sistemas de controle que, em apenas três meses, já haviam bloqueado mais de R$ 1,8 bilhão em pagamentos irregulares. A síntese narrativa foi clara: “a fraude é antiga, a solução é nossa”.

Foi a primeira aplicação deliberada de uma vacina comunicacional, o chamado prebunking. O governo antecipou-se ao blefe adversário e impediu que a oposição ditasse o enquadramento. Mas, mais uma vez, parte da esquerda que se arroga moralmente superior não perdeu a oportunidade de decretar o “novo fim do governo”. Em colunas e análises, criticaram a postura comunicacional, acusando-a de ser defensiva, quando na prática o movimento tinha sido proativo.

Após o anúncio, a direita tentou surfar na narrativa. As pesquisas registraram uma leve oscilação negativa na popularidade do presidente Lula, o que animou a oposição a emendar uma nova ofensiva: conseguiram aprovar a instalação de uma CPMI das Fraudes do INSS, um movimento que se beneficiou de um vacilo do próprio governo. No baralho político, foi como perder a queda de braço sobre quem ficaria com os cargos-chave da comissão e a oposição acabou levando as presidências e relatorias mais importantes.

Mas, assim como no truco, ganhar uma rodada não significa levar o jogo. As primeiras reuniões da CPMI já mostraram sinais de desgaste. A exemplo da CPMI do MST, a tendência é que “morra na praia”, servindo mais para ocupar o tempo de tela das transmissões do Congresso e tentar desviar a atenção de onde realmente está o trunfo, a prisão do ex-presidente Bolsonaro e o julgamento que pode redefinir a correlação de forças políticas no país.

O caso do INSS foi, portanto, a segunda vaza garantida pelo governo. Mesmo com oscilações e ruídos, o enquadramento inicial permaneceu firme: o problema era herdado, a solução era presente. E na lógica do truco, quem abre a rodada com carta alta e força o adversário a correr já começa a controlar o rumo da partida.


O retruco da soberania: o tarifácio de Trump e a virada de Lula

No dia 9 de julho de 2025, Donald Trump anunciou a sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros, medida que entraria em vigor em 1º de agosto. O gesto foi apresentado como retaliação direta ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, tratado por Trump como “vergonha internacional” e “caça às bruxas”. A princípio, parecia uma jogada capaz de desestabilizar a economia brasileira e corroer a popularidade do governo. Mas, em vez de correr da mesa, Lula decidiu retrucar alto, transformando o ataque externo em oportunidade de consolidar uma narrativa de soberania nacional.

A reação foi imediata e coordenada. No mesmo dia, a palavra soberania passou a ser repetida em discursos, notas oficiais e mobilizações digitais. Sidônio Palmeira, à frente da Secom, operou a transição da linguagem técnica para a emocional. O governo não se limitou a explicar tarifas, falou em dignidade nacional e proteção do povo brasileiro. As redes sociais foram inundadas de hashtags patrióticas e memes criados por militância orgânica e por núcleos de comunicação alinhados ao governo, disputando a moldura simbólica com velocidade inédita. Foi a coroação de Sidônio, que assumiu definitivamente o papel de arquiteto da virada comunicacional.

Os símbolos visuais também cumpriram seu papel. Lula apareceu em atos públicos de boné com a inscrição “O Brasil é dos brasileiros”, peça que já vinha sendo usada como linguagem política. O boné, simples e popular, funcionava como contraponto direto ao “Make América Great Again” de Trump e, ao mesmo tempo, como sinal de proximidade entre o presidente e a base social. Eu já escrevi que chapéus e bonés se tornaram uma oficina de símbolos, capazes de traduzir em imagem o discurso da soberania e de reforçar a ligação direta do presidente com a população.

As pesquisas de opinião confirmaram a virada. Levantamento da Genial/Quaest realizado entre 10 e 14 de julho mostrou que a aprovação de Lula subiu de 40% em maio para 43%, enquanto a desaprovação caiu de 57% para 53%. No fim do mês, pesquisa da AtlasIntel apontou 50,2% de aprovação, primeira vez desde outubro em que o presidente ultrapassava a barreira da desaprovação. Em agosto, nova rodada da Quaest registrou avanço para 46%, consolidando a tendência de alta. O que parecia ser um tarifaço desestabilizador transformou-se em catalisador de apoio político.

Esse episódio selou a virada estratégica iniciada depois da derrota no Pix. No truco da política, o governo que havia perdido a primeira mão aprendeu a jogar. No tarifácio de Trump, Lula retrucou alto, colocou o adversário na defensiva e ainda virou a popularidade a seu favor. O boné na cabeça, as hashtags nas redes e a palavra soberania repetida como mantra compuseram a cena de coroação do novo paradigma comunicacional. A partir dali, já não se tratava apenas de responder a crises, mas de transformar ataques externos em combustível para a unidade nacional.


A mão de onze: a vitória coletiva

Na mesa de truco, há sempre quem torça pela queda, quem esteja mais interessado em ver a dupla perder do que em participar da vitória. Em 2025, esse papel foi ocupado por uma esquerda moralista e hipercrítica que, desde a primeira mão perdida no Pix, anunciou em alto e bom som que o governo estava acabado. Cada recuo era para eles o prenúncio do fim, cada tropeço, a confirmação de suas profecias sombrias.

Ocorre que profecias, quando repetidas sem cessar, um dia encontram eco em algum fato. Como os ponteiros de um relógio parado que, mesmo sem se mover, coincidem duas vezes com a hora certa, essa esquerda também acerta ocasionalmente. Mas o acerto episódico não invalida a miopia estrutural. Permanecer preso a previsões de fracasso não lhes garante vitória, apenas os condena a assistir, perplexos, às reviravoltas de um jogo que insistem em não jogar.

A reação de Lula ao tarifaço de Trump, com a narrativa da soberania, foi não apenas a virada de uma mão difícil, mas a confirmação de que estratégia e liderança pesam mais do que o fatalismo. Os números de aprovação subindo, os bonés como símbolos de pertencimento, as redes sociais pulsando em defesa do país: tudo isso enterrou as narrativas de fim iminente. A própria atuação de Geraldo Alckmin, tantas vezes apresentada como fragilidade da aliança, mostrou-se peça valiosa. Vice-presidente e amigo político de Lula, foi discreto, leal e eficiente, silenciando por um instante aqueles que, em nome da pureza ideológica, insistiam em duvidar da construção coletiva.

No truco, a mão de onze não se vence com um único lance, mas com confiança mútua e leitura de mesa. O governo aprendeu a pedir truco, a retrucar, a blefar quando necessário e a proteger o parceiro. A esquerda hipercrítica, por outro lado, seguiu apostando na derrota, recusando-se a partilhar a vitória possível. No entanto, o jogo permanece aberto: ainda há espaço para que troquem o gosto amargo da torcida contra pela alegria de participar da partida. Afinal, a vitória em política, como no truco, é sempre coletiva.

 
 
 

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2 comentários


Lourded
03 de set.

Muito bom. De uma clareza

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Edna Maria Teixeira
02 de set.

Parabéns pela qualidade dos conteúdos. Continue nos presenteando com essas maravilhas. Desejo sucesso, Grande abraço!

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