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Eleições na Romênia e o avanço da extrema direita no leste europeu

Quando ser pró-Rússia não é sinônimo de esquerda: um alerta político

Călin Georgescu candidato ao governo romeno. Foto: Inquam Photos / Octav Ganea

A história da Romênia é marcada por um período de ditadura durante o regime comunista, especialmente sob a liderança de Nicolae Ceaușescu, que governou de 1965 até 1989. Embora formalmente alinhada ao bloco soviético, a Romênia adotou uma postura de relativa independência em relação à União Soviética, o que deu espaço para a consolidação de um regime personalista e autoritário. Ceaușescu aproveitou brechas dentro do sistema soviético, particularmente as tensões internas do bloco, para criar um regime próprio. Ele rejeitava a interferência direta de Moscou nos assuntos internos da Romênia, o que inicialmente lhe rendeu reconhecimento internacional, mas isso não significou um afastamento do autoritarismo. Pelo contrário, Ceaușescu centralizou o poder, reprimiu opositores e criou um intenso culto à personalidade, transformando o país em uma das ditaduras mais isoladas e repressivas da Europa Oriental. Esse histórico deixou cicatrizes profundas na política romena, com impactos duradouros que, de certa forma, ainda reverberam nas estruturas políticas atuais, incluindo o fortalecimento de discursos extremistas. 

Esse passado autoritário da Romênia traz lições importantes para os debates contemporâneos sobre imperialismo e autoritarismo. O fascínio de alguns setores da esquerda com figuras pró-Rússia é profundamente problemático, especialmente porque esse apoio costuma se basear na oposição aos Estados Unidos, ignorando que a Rússia contemporânea de Vladimir Putin não é a União Soviética. A URSS, apesar de seus graves erros e violações, se baseava em uma ideologia socialista internacionalista, que visava, ao menos em teoria, a igualdade social e a cooperação entre os povos. A Rússia atual, por outro lado, é um regime autoritário que promove o nacionalismo, a centralização do poder e a repressão de opositores, além de práticas expansionistas semelhantes às de qualquer outra potência imperialista. 

Uma análise rasa, que iguala a Rússia de hoje ao que foi a União Soviética, simplifica a geopolítica mundial e reduz tudo a uma oposição entre duas grandes potências. Tanto a Rússia quanto os Estados Unidos atuam como agentes de dominação global, e nenhum dos dois pode ser considerado um modelo de democracia ou justiça. Entretanto, é comum observar uma seletividade crítica: enquanto o imperialismo norte-americano é amplamente denunciado, o autoritarismo e o expansionismo russos são frequentemente minimizados ou ignorados. 

Essa dualidade de pensamento obscurece questões mais complexas, como o crescimento da extrema-direita no leste europeu, ilustrado pelo desempenho surpreendente de Călin Georgescu nas eleições presidenciais da Romênia. Segundo o jornal Adevărul de Bucareste Georgescu, que iniciou a corrida eleitoral com apenas 5% das intenções de voto, terminou liderando o primeiro turno com 22,95% dos votos, agora ele vai disputar o segundo turno ao lado de Elena Lasconi, candidata de centro-direita da Uniunea Salvați România (União Salve a Romênia), que obteve 19,17%. No entanto, o verdadeiro impacto de sua ascensão foi desbancar Marcel Ciolacu, candidato do Partidul Social Democrat (Partido Social-Democrata) e primeiro-ministro, que ficou em terceiro lugar com 19,15%. Essa reviravolta política reflete a crescente insatisfação popular com o establishment político romeno e o avanço de candidatos de extrema-direita. 

A ascensão de Georgescu reflete a eficácia das redes sociais, como o TikTok, em amplificar mensagens populistas e atrair eleitores jovens, muitas vezes sem transparência suficiente sobre a natureza do candidato. Embora tenha concorrido como candidato “independente”, sua trajetória o conecta diretamente ao partido de extrema-direita Alianța pentru Unirea Românilor (Aliança para a União dos Romenos). Em 2022, ele causou controvérsia ao elogiar figuras históricas ligadas ao fascismo romeno, como Ion Antonescu e Corneliu Zelea Codreanu, referindo-se a eles como “heróis” que “fizeram coisas boas”. Essas declarações levaram o AUR a se distanciar publicamente dele, especialmente após a abertura de uma investigação penal contra Georgescu por promover o culto a pessoas culpadas de genocídio e crimes de guerra. Apesar desse afastamento, é ingênuo considerar que Georgescu, ao deixar o AUR, tenha se tornado uma figura independente ou moderada. Seu histórico e suas declarações permanecem alinhados com a ideologia da extrema-direita.

Ion Antonescu no quartel-general de Adolf Hitler Foto: Divulgação

Esse uso de figuras históricas extremistas para construir narrativas políticas contemporâneas não é novidade na Romênia. Ion Antonescu e Corneliu Zelea Codreanu foram líderes centrais no cenário político do país entre as duas guerras mundiais e a Segunda Guerra Mundial, marcando profundamente o imaginário nacionalista romeno. Codreanu atuou predominantemente na década de 1920 e 1930, quando fundou a Guarda de Ferro em 1927 e liderou o movimento fascista até sua execução extrajudicial em 1938 pelo regime do rei Carol II. Já Antonescu, como primeiro-ministro e ditador entre 1940 e 1944, alinhou a Romênia ao Eixo, implementou políticas genocidas contra judeus e ciganos e participou ativamente do Holocausto romeno. Ambos deixaram um legado de autoritarismo, violência política e nacionalismo extremo que ainda ressoa em movimentos de extrema-direita no país.

O crescimento da extrema-direita na Romênia é preocupante e não se limita ao AUR. Outros dois partidos desse espectro também têm ganhado espaço no cenário político. O Noua Dreaptă (Nova Direita), fundado em 2000, se apresenta como um movimento ultranacionalista, proclamando-se sucessor da Guarda de Ferro, uma organização fascista histórica. Com uma agenda anti-imigração, anti-LGBT e antissemita, o partido promove o nacionalismo romeno e o fundamentalismo cristão ortodoxo. Já o S.O.S. România (SOS Romênia), liderado pela senadora Diana Șoșoacă, defende posições ainda mais radicais, incluindo um discurso pró-Rússia, soberanismo, euroceticismo e conservadorismo social. Ambos os partidos refletem o avanço de narrativas populistas e extremistas, que encontram eco em uma parcela significativa do eleitorado.

Esse crescimento exponencial da extrema-direita, com três partidos agora representados no parlamento romeno, evidencia uma tendência alarmante no leste europeu. Mesmo com investigações e irregularidades apontadas nas campanhas, o avanço de figuras como Georgescu demonstra a força de estratégias populistas e nacionalistas no cenário político atual. No próximo domingo, 8 de dezembro, o segundo turno das eleições na Romênia será mais uma etapa decisiva nessa disputa, reforçando a necessidade de uma análise crítica e vigilante sobre os rumos da democracia na região.

 Para a esquerda, esse cenário deve servir como um alerta. É imprescindível que se tenha muito cuidado ao apoiar figuras ou regimes apenas por seu antagonismo aos Estados Unidos. A história romena, combinada com as diferenças entre a União Soviética e a Rússia contemporânea, demonstra que o autoritarismo pode se disfarçar sob diferentes narrativas, sejam elas nacionalistas, populistas ou mesmo antiimperialistas. Um olhar crítico e informado é fundamental para evitar a legitimação de forças que, em última instância, contradizem os valores progressistas de democracia, justiça social e direitos humanos.


 
 
 

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