Sarto e o antipunitismo aplicado à gestão pública
- Christiano Fiúza
- 18 de nov. de 2024
- 2 min de leitura
A regra é clara: se o gestor público comete um crime contra a saúde pública, quem é punido é o povo, com o corte de 20 milhões de reais no orçamento da secretaria de saúde, como se isso fizesse falta para o prefeito prevaricador

Uma ditadura é algo tão nocivo que faz vítimas mesmo depois de décadas de seu fim. Por conta dos abusos e das violências terríveis que foram praticadas contra quem queria restituir a democracia no Brasil, ao final do período militar veio uma legislação que procura não punir ninguém como deveria, porque isso seria visto como retomar o período de exceção.
O antipunitivismo cirandeiro e desencarcerador se tornou norma com a qual a gente passou a lidar com os crimes que são cometidos aqui no Brasil. As penas nesse sistema legal estão mais para afagos do que para a punição propriamente dita. É uma fila de atenuantes sem tamanho.
Aliás, a regra são os atenuantes, e não a punição. A legislação criminal brasileira é uma mãe para quem comete crime. Quem mata e for réu primário com bom comportamento só cumpre, no máximo, um sexto da pena, como foi o caso do Guilherme de Pádua, assassino confesso da atriz Daniela Perez. E infelizmente, graças a essa legislação, o nosso cotidiano tem mais Guilhermes de Pádua do que gente presa por aí.
Enquanto 6 em cada 10 homicídios no Brasil ficam sem solução, o que se vê nas prisões é uma superlotação de pequenos furtos e crimes famélicos. A desigualdade na aplicação da justiça é tão gritante quanto a impunidade para os crimes graves. É como se a lei fosse implacável com quem rouba para comer, mas uma verdadeira mãe para os assassinos e gestores públicos.
Nesse caso das irregularidades cometidas por Sarto ao final de sua gestão como prefeito de Fortaleza, o problema é até maior, porque, ao invés de punir a pessoa do prefeito, que está pondo em risco a vida de milhares de pessoas — mesmo sendo médico —, quem está sendo punida é a própria administração pública, com o corte de 20 milhões.
A regra é clara: se o gestor público comete um crime contra a saúde pública, quem é punido é o povo, com o corte de 20 milhões de reais no orçamento da secretaria de saúde, como se isso fizesse falta para o prefeito prevaricador. Aqui no Brasil, o poste mija no cachorro. Quando uma pessoa comete um crime, quem é punido é a vítima.
Realmente, é preciso uma mudança geral no código penal brasileiro, inclusive para que se permitam penas mais duras para gestores públicos que cometam crimes de qualquer ordem. Não tem como se manter nenhuma ordem democrática com leniência com o crime, com o abrandamento de penas e com a inversão de valores éticos. Mas como quem vota legislações como essa são os mesmos que cometem esses crimes, eles nunca vão pedir punição para si mesmos.
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