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A Vingança de Sarto

Atualizado: 19 de nov. de 2024

A vingança de Sarto é, na verdade, um retrato cruel de como a política quase sempre se afasta do seu propósito mais nobre: servir à população.


José Sarto (PDT), médico e prefeito de Fortaleza, encerra seu mandato de forma marcada por controvérsias que dificultam a transição para o futuro gestor, Evandro Leitão (PT). Denúncias de desmonte na saúde pública, uma licitação bilionária para privatização de serviços essenciais e a disputa pela presidência da Câmara Municipal compõem um cenário político instável e estratégico para criar obstáculos à próxima gestão.

A situação da saúde pública em Fortaleza é emblemática do que parece ser uma sabotagem planejada. O Hospital Nossa Senhora da Conceição, no Conjunto Ceará, sofre com a retirada de equipamentos e a desativação de setores importantes, enquanto o Instituto Dr. José Frota (IJF), referência na formação de médicos emergencistas do país e emergências de alta complexidade, enfrenta uma alarmante escassez de medicamentos e insumos essenciais. Denúncia publicada pelo jornalista Marcos Moreira, do Diário do Nordeste, revela um cenário caótico no IJF, com acompanhantes de pacientes improvisando camas com papelão devido à falta de lençóis e colchões adequados. Cerca de 279 dos 375 medicamentos e 263 dos 513 insumos obrigatórios estão em falta, comprometendo diretamente o atendimento à população. Essa crise é agravada pela suspensão de cirurgias e pela precariedade generalizada, evidenciando um desmonte crítico que será herdado pela nova administração.

Os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) de Fortaleza enfrentam uma situação igualmente crítica. Seis unidades estão fechadas, com sedes depredadas e falta de profissionais para atender a população. Esses centros são portas de acesso a direitos fundamentais, e sua precarização compromete o atendimento a pessoas em situação de vulnerabilidade.

A licitação de R$ 4,1 bilhões para a privatização da iluminação pública e da rede semafórica é outro exemplo da gestão que Sarto entrega. Com duração de 15 anos, o contrato foi desenhado às pressas, sem o devido debate público, e será definido no penúltimo dia de sua gestão. Essa decisão compromete recursos da cidade por mais de uma década, limitando a margem de ação dos próximo prefeitos. Em vez de representar uma transição administrativa adequada, esses movimentos parecem arrumar uma armadilha política para enfraquecer a nova gestão desde o início.

A disputa pelo controle da Câmara Municipal de Fortaleza reflete ainda mais as tensões políticas em torno da transição. A base aliada de Sarto, liderada por Gardel Rolim, está dividida entre alinhar-se ao novo governo ou formar um bloco oposicionista para dificultar a governabilidade de Evandro Leitão. A presidência da Câmara, além de ser uma posição estratégica, tem o potencial de ser usada como ferramenta de obstrução política ou de colaboração institucional. A decisão que sair dessa disputa moldará o cenário político local nos próximos anos.

Sarto, que ao longo de sua gestão como prefeito mostrou-se uma figura política opaca, enfrenta agora o desafio de permanecer relevante em um ambiente que lhe é cada vez mais adverso. Após uma campanha em que tentou emular João Campos (PSB) numa tentativa forçada e ineficaz de renovar sua imagem, Sarto parece carecer tanto de tempo quanto de substância política para deixar uma marca significativa. Episódios como culpar o Governo do Estado por um assassinato no IJF evidenciam sua dificuldade em assumir responsabilidades e consolidar uma postura política consistente. Sua atual estratégia, focada na preservação de aliados e em tentativas de consolidar uma oposição forte no espectro da direita, sugere uma atuação direcionada por interesses externos, em vez de uma estratégia própria e independente.

Nesse cenário, torna-se difícil ignorar a sombra de Ciro Gomes (PDT), cuja influência histórica nos bastidores da política cearense frequentemente dita os movimentos de seus aliados. Sarto parece atuar como mais um jogador em uma partida orquestrada por Ciro, que busca preservar seu grupo político em meio à perda de relevância nas esferas estadual, nacional... e familiar.

O caos na Prefeitura de Fortaleza se soma ao rompimento entre Cid Gomes (PSB) e o PT do governador Elmano de Freitas, adicionando uma camada extra de complexidade ao cenário. A relação entre o grupo político dos Ferreira Gomes do bem e o PT, outrora marcada por alianças estratégicas, desmorona em meio a disputas por espaço e poder. A indicação de Fernando Santana (PT) para a presidência da Assembleia Legislativa do Ceará (ALECE), sem consulta ao grupo de Cid, foi a gota d'água que expôs ainda mais as fragilidades dessa relação. Essa nova dinâmica merece e terá uma análise própria no futuro. Guenta!

Esse rompimento reverbera em Fortaleza, onde a base de Sarto, historicamente alinhada aos Ferreira Gomes, pode se consolidar como um bloco de oposição à administração de Evandro Leitão, percebida como uma extensão política do governo estadual. Nesse jogo de forças, em que interesses pessoais e de grupos prevalecem, os maiores prejudicados continuam sendo os fortalezenses e os cearenses, que enfrentam a ameaça de um impasse político tanto no Executivo municipal quanto no estadual.

A "herança" deixada por José Sarto vai muito além das dificuldades administrativas. Ela simboliza um momento de fragmentação política no Ceará, onde alianças históricas - e familiares - se desfazem, e o foco no bem público é substituído por disputas de poder. O desmonte da saúde, a licitação bilionária e a disputa pela Câmara Municipal são peças de um mesmo tabuleiro, onde Sarto, Ciro, os Ferreira Gomes e o PT disputam o controle de Fortaleza e do estado. No grande jogo político, Sarto não pode contar com um par de óculos Juliet para desviar a atenção de sua cruel retaliação ao resultado das urnas.

Se o ainda prefeito não demonstra apreço pela própria biografia ou pelo recorte em que demonstrou dignidade e responsabilidade na gestão da crise de Covid-19, a justiça faz este chamado: uma ação judicial contra o Instituto Doutor José Frota (IJF), que pode tornar réus o prefeito Sarto e o secretário de saúde, além de ameaçar o bloqueio de R$ 20 milhões dos cofres da Prefeitura. Enquanto isso, a população enfrenta os efeitos diretos dessas manobras políticas: hospitais que não funcionam, obras paralisadas e serviços essenciais comprometidos. Evandro Leitão, ao assumir a prefeitura, terá que lidar com os desafios de reconstruir não apenas as áreas administrativas e de serviços, mas também o tecido político esgarçado por decisões irresponsáveis e egoístas.

O rompimento entre Cid Gomes e o PT, longe de ser apenas um conflito entre lideranças, reflete uma crise mais ampla que atinge o Ceará. Fortaleza, como epicentro dessa disputa, sofre as consequências de uma classe política que, em vez de cooperar em nome do interesse público, escolhe aprofundar as divisões. A "vingança de Sarto" é, na verdade, um retrato cruel de como um político errático e a política podem se afastar do seu propósito mais nobre: servir à população.


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