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Bancada evangélica de Fortaleza: se cobrir, vira circo, se cercar vira hospício

Vereadores ultraconservadores barram vídeo institucional para evitar a menção à Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção

Grupo de pessoas sem cérebro e sem louça para lavar. Janeiro de 2023. Foto: Kid Junior.
Grupo de pessoas sem cérebro e sem louça para lavar. Janeiro de 2023. Foto: Kid Junior.

A cidade de Fortaleza tem suas raízes fincadas em um bastião erguido sob domínio holandês e posteriormente rebatizado pelos portugueses. Em 1649, os flamengos construíram o Forte Schoonenborch, um nome de difícil pronúncia para os lusitanos que, cinco anos depois, retomaram a região, expulsaram os invasores e lhe deram uma nova identidade: Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Mais do que uma simples mudança de nomenclatura, a transição marcou a consolidação do domínio português e da influência católica sobre o território. O forte que hoje abriga a 10ª Região Militar, voltou a ser palco de disputas ideológicas quando, em 2022, militantes bolsonaristas que contestavam o resultado das eleições presidenciais ocuparam sua calçada apertada entre turistas e feirantes, despertando a curiosidade dos turistas, o esperado e típico deboche cearense e a curiosa proteção da facção criminosa carioca que domina aquela região e que não costuma permitir aglomerações e presenças tão hostis.

Três séculos depois, a identidade de Fortaleza se vê ameaçada, não por batalhas coloniais, mas por uma tentativa de apagamento histórico promovida dentro da própria Câmara Municipal. O debate não gira em torno de grandes obras de infraestrutura, políticas públicas fundamentais ou disputas orçamentárias. Não se trata de um único paralelepípedo fora do lugar, tampouco da crise do sistema de saúde sem precedentes agravada pela vingança do ex-prefeito. O problema que sequer foi ao púlpito e que por enquanto é debatido constrangido entre os vereadores é o nome da fortificação que deu origem a cidade. O nome que deu origem. No passado. Trezentos anos atrás.

Um vídeo institucional sobre a cidade de Fortaleza que está sendo barrado pela bancada evangélica ultraconservadora simplesmente porque mencionar: Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Na esfera estadual, Assembleia Legislativa do Ceará já nos acostumou a um histórico horrendo quando se trata da atuação da bancada evangélica. Das tentativas de censurar discussões sobre diversidade nas escolas ao esforço incansável para barrar avanços nos direitos humanos, o fanatismo religioso já mostrou sua força no legislativo estadual. Mas, desta vez, as representantes medievais da Câmara Municipal de Fortaleza conseguiram se superar. A cruzada chegou ao incrível patamar de lutar bravamente contra a história, como se pudessem vencer uma batalha contra os fatos a golpes de indignação seletiva.

A cidade de Fortaleza não está em vias de ser transformada em um santuário mariano, mas é fato histórico - material e não mítico - sua origem é inegavelmente ligada à Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. O que a bancada evangélica exige, ainda que nos bastidores por enquanto envergonhados, é que a cidade seja apresentada ao público sem referência ao próprio nome que a fundou, como se uma cidade pudesse nascer sem história, sem nome, sem passado. A presidência da Câmara, pressionada, acaba travando o trabalho da agência de publicidade responsável pelo vídeo institucional da capital cearense, impedindo que a menção seja feita – um delírio revisionista que faria corar até os mais dedicados negacionistas.

Na Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, atual sede da 10ª Região Militar do Exército Brasileiro, líderes da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador foram aprisionados em masmorras, onde sofreram torturas que os levaram à morte. Durante a ditadura militar, a imagem de Nossa Senhora da Assunção, padroeira de Fortaleza, também precisou ser protegida da violência que trancava e feria pessoas de carne e osso naquele mesmo local. Guardada há décadas pela família Nunes de Melo, a santa foi escondida por quase cinquenta anos para evitar que fosse confiscada pelo Exército. O medo da brutalidade da ditadura levou seus descendentes a resguardá-la em local sigiloso, garantindo sua preservação e reafirmando sua importância como símbolo de resistência e fé em tempos de repressão. Mas esqueça a violência! O problema é o maldito nome de Maria!

Mais do que uma tentativa ridícula de reescrever a história para atender a um fanatismo infantil, trata-se de um sintoma de algo maior. O problema real é que essa demonstração de irracionalidade por parte da extrema direita religiosa é uma prévia do que será a nova legislatura na Câmara Municipal de Fortaleza. Se vereadores conservadores de ocasião são capazes de travar um vídeo institucional por puro recalque ideológico, o que esperar deles quando forem chamados a discutir temas concretos? Como debater saúde, educação, transporte e desenvolvimento urbano com quem tem medo da palavra "Nossa Senhora"?

Enquanto isso, o presidente da Câmara, Léo Couto (PSB), se vê diante de um desafio que vai muito além da articulação política ou da mediação de interesses diversos. Seu verdadeiro teste será sobreviver à sucção total de sua energia vital e paciência, driblando os devaneios de quem vê ameaça divina até no nome da cidade onde vive. Governar sob a sombra desse fanatismo exigirá resistência sobre-humana, pois o inimigo, nesse caso, não é um grupo político adversário, mas um amontoado de crenças paranoicas que enxerga heresia até em um simples nome de cidade.

Talvez, diante dessa situação surreal, Léo Couto pudesse recorrer ao professor José Geraldo em busca de orientação. Na CPI do MST (2023), ele mostrou a maestria de lidar com a obtusidade sem abrir mão da elegância. Oremos para que Léo aprenda a chamar de burros aqueles que insistem em reescrever a história sem precisar usar essa palavra — afinal, em Fortaleza, palavras são perigosas

 
 
 

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