A queda do Coliseu Cirista e a ressurreição acadêmica
- Sara Goes
- 13 de fev.
- 2 min de leitura


No coração da Praia de Iracema, entre o cheiro de maresia e a poeira dos esqueletos de concreto, jaz um monumento ao desperdício: o Acquario Ceará, uma alegoria da megalomania política dos tempos de Cid Gomes. Prometido como um divisor de águas para o turismo cearense, virou um Titanic de cimento antes mesmo de tocar o oceano. Mas a política é a arte da ressignificação, e onde antes havia um delírio submerso, agora se ergue um novo projeto de poder: o Campus Iracema. Sai a promessa de tubarões em cativeiro, entra o discurso da ciência e da inovação.
O Acquario foi a síntese perfeita da era Ferreira Gomes: um projeto grandioso, caro e inacabado, erguido sobre um terreno pertencente ao Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), porque a ironia nunca falha. No meio de uma seca brutal, o governo de Cid sonhava com cardumes exóticos e experiências imersivas enquanto o sertanejo estalava a língua por falta d’água. A obra empacou, a crise bateu à porta e o que era para ser um cartão-postal virou um monumento à desconexão entre política e realidade.
A metáfora histórica é inevitável. Se Roma teve seu Coliseu, Fortaleza teve o Acquario. O primeiro era palco de espetáculos para distrair a plebe e reforçar a grandiosidade do império; o segundo, um truque político que pretendia vender a imagem de um Ceará moderno e globalizado. Ambos terminaram em ruínas. A diferença é que o Coliseu virou ponto turístico. O Acquario virou piada.
E como toda tragédia política precisa de seu ato final, a implosão do império Ferreira Gomes veio com uma reviravolta shakespeariana: a briga de irmãos. Cid e Ciro, que por anos dominaram a política local com ares de monarquia de coronéis ilustrados, romperam de forma tão desastrada quanto a gestão do próprio Acquario. O erro fatal? A recusa em permitir a continuidade de Izolda Cela no governo, entregando de bandeja o comando do estado para Elmano de Freitas e consolidando Camilo Santana como o novo protagonista da cena cearense.
Agora, Camilo e Elmano pegam os destroços do delírio submerso e os transformam em uma nova narrativa: o Campus Iracema, vinculado à UFC, sob o guarda-chuva do Ministério da Educação. Sai o peixe-boi digital, entra o discurso da sustentabilidade. Sem aquários, sem criaturas marinhas aprisionadas, apenas tecnologia, pesquisa e inovação. A escolha de reformar e não demolir é tão pragmática quanto política: destruir o Acquario seria reconhecer o fiasco por completo. Resignificá-lo é transformar um cadáver em troféu.
E assim, entre rachaduras e remendos, o Ceará continua sua vocação de reinventar ruínas. O que antes era um sonho azul e encarnado, agora é um laboratório de um novo tempo. Cid, ao ver sua maior promessa ressurgir das cinzas sob um novo comando, talvez sinta o peso da ironia. Mas política é como o oceano: cheia de correntes imprevisíveis. E, no fim, só sobrevive quem aprende a nadar.
Sou admiradora da escrita de Sara Goes. Não é bajulação. É reconhecimento da cultura que ela representa e demonstra em cada texto seu. Parabéns! Vou compartilhar. Divulgar bastante.